Indicadores sociais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2018 apontam que os brasileiros negros e pardos representam 56,10% da população e eles estão na base da pirâmide socioeconômica: piores empregos, piores índices de saúde, piores resultados econômicos, ausência no poder político, entre outras desvantagens.
Em meio a essa realidade ainda enfrentada pelos negros, Adrielle Silva Fernandes de Mattos e Maria Luiza Costa Caetano, alunas do último semestre do curso de Relações Públicas da Universidade de Taubaté (UNITAU) desenvolveram um Trabalho de Graduação (TG) para identificar a presença de atitudes racistas no mercado de trabalho. O projeto, sob a orientação do Prof. Dr. José Felício Goussain Murade, visa elaborar um planejamento de campanha de opinião pública para ações que conscientizem sobre o racismo e sobre a falta de representatividade de pessoas negras no mercado de trabalho do Vale do Paraíba.
“Eu acho importante discutir essa temática porque ainda existe racismo no mercado de trabalho em todo o Brasil. Nós temos visto nos jornais casos de racismo descarado e eu, como mulher negra, achei importante trazer esse assunto para o TG, e a minha amiga, Maria Luiza, abraçou essa causa comigo”, relata Adrielle.
Maria Luiza também comenta que acredita ser muito importante discutir o racismo estrutural em seu TG, pois é uma chance de as pessoas entenderem as consequências que o racismo traz. “Mesmo que as pessoas em geral saibam da existência do racismo, esperamos que os dados reais e atuais da nossa região tragam uma perspectiva diferente e que as pessoas passem a entender a importância do combate a ele”, expõe.
Para que as alunas levantassem dados e compreendessem melhor o ponto de vista de profissionais da área de ciências sociais e do mercado de trabalho, elas desenvolveram uma pesquisa qualitativa. Para isso, foi realizada uma entrevista com esses profissionais para que fossem verificados quais fatores históricos contribuíram para o racismo estrutural, para averiguar a representatividade de pessoas negras e para detectar as principais dificuldades que a população negra enfrenta no mercado de trabalho no Vale do Paraíba.
Tanto para os entrevistados da área de ciências sociais, quanto para os da área do mercado de trabalho, existe racismo estrutural no Vale do Paraíba e o fator histórico que contribuiu para isso foi o fato de que a região se formou com base na mão de obra de pessoas negras escravizadas vindas da África, por conta da economia cafeeira no século XIX.
Para realizar uma pesquisa quantitativa, as estudantes prepararam um questionário por meio da plataforma google forms. O formulário foi enviado para moradores da região metropolitana do Vale do Paraíba pelas redes sociais e obteve o retorno de 400 questionários respondidos. As respostas foram tabuladas e apresentadas em gráficos de coluna e barra. Em um dos resultados, por exemplo, foi identificado que 88,8% dos entrevistados acreditam que existe racismo no mercado de trabalho no Vale do Paraíba, sendo que 47,8% dos entrevistados concordam plenamente e 41% concordam. 6,8% não concordam e nem discordam, 1,2% discordam e 3,2% dos entrevistados não têm opinião sobre o assunto.
“O que mais me chocou não foi o fato de ter a informação concreta de que os entrevistados já presenciaram ou sofreram racismo, ou que eles concordam que os negros ocupam cargos inferiores aos dos brancos. O mais chocante foi ver que ainda existem pessoas que alegam não ser importante combater o racismo no mercado de trabalho, ou não acreditam que existe racismo no mercado de trabalho”, conta Maria Luíza.
Dos entrevistados que trabalham, a maioria (63,7%) informou que nenhuma pessoa negra está em cargo de liderança em seu local de trabalho. 19,2% responderam 1 pessoa e 10,8% alegaram ter de 2 a 3. Já dos entrevistados que se autodeclararam pretos, 68% já presenciaram ou sofreram racismo no seu ambiente de trabalho.
Com os objetivos da pesquisa atingidos, Adrielle e Maria Luiza realizaram o planejamento de uma campanha com o intuito de motivar empresas a desenvolverem ações sociais voltadas para prevenção e para o combate ao racismo e conscientizar as pessoas negras sobre seus direitos. A meta do projeto é fazer com que 10 empresas adotem a campanha em 3 meses.
Adrielle menciona que, ao realizar campanhas para públicos internos e externos, o profissional de relações públicas tem a função de colaborar com a conscientização do racismo e aumentar a representatividade por meio de, por exemplo, palestras, debates, ações nas empresas e nas escolas principalmente, pois, se uma criança for ensinada a não ser racista desde pequena, a probabilidade de se tornar preconceituosa um dia é muito baixa.
“Nos meus maiores sonhos, eu nunca imaginei que ia ter tanta repercussão e sou muito feliz de poder colaborar com a conscientização e, de alguma forma, aumentar a representatividade. Nós, mulheres, temos de ser fortes e as mulheres negras precisam ser mais fortes ainda, mas não é o sentimento que eu queria ter, eu não quero ser forte, eu só quero ser uma mulher negra e viver como todo mundo. Então, poder falar sobre um assunto tão relevante foi algo que me construiu na vida profissional e na minha vida pessoal também”, reflete Adrielle.
As alunas irão apresentar o trabalho de graduação no próximo mês, em dezembro, para uma banca examinadora composta por professores da área de Relações Públicas.